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VÍDEO: “Abuso da liberdade de expressão pode configurar crimes”, diz advogada sobre conflito Moraes x Musk

A suspensão da rede social X (antigo Twitter) por decisão judicial do ministro Alexandre de Moraes tem levantado discussões acerca dos limites da liberdade de expressão, da atuação da Suprema Corte e da influência política exercida pelas big techs

Por Luis Fernando Mifô

07/09/2024 às 10h29 • atualizado em 07/09/2024 às 10h37

A suspensão da rede social X (antigo Twitter) no Brasil, por meio de uma determinação judicial monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem levantado discussões acerca dos limites da liberdade de expressão, da atuação da Suprema Corte, das incertezas sobre o que é crime ou não no universo online e da influência política exercida pelas big techs em países estrangeiros. Desde uma conversa despretensiosa na padaria até discussões mais acalouradas em tribunais e nas próprias redes sociais, o país volta a vivenciar um forte clima de polarização. Mas dessa vez os personagens individuais são outros.

A advogada empresarial Gisely Sousa, especialista em Direito Digital, participou do programa Olho Vivo da Rede Diário do Sertão nesta sexta-feira (6) para comentar sobre a decisão de Moraes que tirou do ar a rede social X. Para Gisely, a discussão jurídica, política e econômica que permeia o conflito entre o Judiciário e a empresa, nas pessoas de Alexandre de Moraes e do magnata sul-africano Elon Musk (dono majoritário do X), é mais um episódio importante do nosso amadurecimento enquato instituição democrática. Porém, esse debate se torna ainda mais amplo por causa das redes sociais. “O que antes era restrito a grupos de poder, hoje se espalha para as mãos de absolutamente qualquer pessoa com acesso a um smartphone em sua mão”, salienta.

Gisely avalia que o conflito entre a Justiça brasileira e a plataforma X “é um problema clássico que qualquer democracia passa por ele”. Ela se refere ao que se conhece no mundo da economia como “trade off” – uma situação em que há conflito de escolha. O conflito, nesse caso, seria entre liberdade de expressão e segurança.

“Muitas vezes, o abuso da liberdade de expressão pode configurar também crimes. É possível que eu, abusando da minha liberdade de expressão, atinja negativamente a moral, a idoneidade de outra pessoa. E é importante que a gente tenha mecanismos para combater isso. Quando a gente fala de um caso específico, uma pessoa contra outra, a gente tem uma situação. Quando a gente fala sobre massas, milhões de pessoas, usuários de redes sociais, notadamente hoje, que existe a possibilidade de direcionamento de campanhas sob medida, pensadas a partir da utilização de algoritmo, pensadas para aquele grupo de pessoas, campanhas de desinformação, de notícias falsas, de ataques à reputação de maneira coordenada e bastante profisisonal, isso acende uma discussão sobre até que ponto a gente pode permitir o exercício dessa liberdade de expressão nas redes sociais”, ressalta a advogada.

Responsabilização das plataformas

Gisely Sousa que nos últimos anos a legislação brasileira amadureceu no aspecto da segurança digital. Ela cita, como exemplo, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), sancionado em abril de 2014, e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. “Nessas legislações nós temos a possibilidade legal de que ocorra, de forma mais direta, a responsabilização das plataformas”, ela frisa.

“Quem é responsável pelo conteúdo propagado é o usuário. A plataforma chega a ser responsabilizada quando dificulta o acesso às informações ou descumpre ordens judicias, que foi o argumento do ministro Alexandre de Moraes em sua decisação monocrática para suspender a plataforma X”, acrescenta.

Além do não fornecimento de informações e dados solicitados pelo ministro Alexandre de Moraes, o X de Elon Musk não apresentou um representante legal da empresa no Brasil, que, conforme explica Gisely Sousa, é obrigaçao de qualquer empresa que opera no país para responder a intimações e notificações judiciais.

Ministro Alexandre de Moraes e o empresário Elon Musk (reprodução/Wikipedia)

No dia 30 de agosto, Alexandre de Moraes determinou que a plataforma X saísse do ar no Brasil após Elon Musk não cumprir a determinação de indicar um representante legal da empresa no Brasil no prazo de 24 horas. Moraes argumentou que Musk e sua rede social estariam incentivando discursos extremistas e antidemocráticos. Além disso, estariam obstruindo a Justiça ao não seguir determinações judiciais como bloqueio de contas.

“Isso cria um ponto de discussão que, além da liberdade de expressão e da segurança, tem uma questão também de soberania nacional, porque da mesma maneira que a Constituição Federal protege a liberdade de se expressar, temos também a necessidade de que toda e qualquer empresa que opere aqui no país se submeta ao império da lei brasileira”, explica a advogada.

Postura de Musk contra Moraes é “movimento político”

Em outros países, a rede social X já foi alvo de ações na Justiça e cumpriu as respectivas determinações sem questionamentos. Na Índia e na Turquia, por exemplo, o empresário Elon Musk aceitou bloquear contas.

Em 2022, a empresa entrou na Justiça alegando que a remoção de perfis na Índia contrariava a liberdade de expressão. Contudo, dois anos depois, quando Elon Musk já era dono da rede, a plataforma obedeceu as decisões da Justiça indiana e removeu diversas contas que faziam oposição ao governo e apagou as postagens sobre um documentário com críticas ao primeiro-ministro Narendra Modi. Quando Modi foi reeleito, Musk celebrou a vitória.

A Tesla, empresa de carros elétricos de Musk, exporta veículos para a Índia. A agência de notícias Reuters informou em abril que a Tesla investirá US$ 3 bilhões na construção de uma fábrica no país. A empresa não confirmou a informação.

Embora veja a postura de Elon Musk no caso do Brasil como “invariavelmente um movimento político”, a advogada Gisely Sousa também alerta para os perigos de haver “arroubos autoritários” do Poder Judiciário em detrimento dos demais poderes e da sociedade civil.

“A necessidade de se discutir a liberdade de expressão é necessária. Quando a gente trata de democracia, nós temos a necessidade proiminente de haver uma divisão de poderes. Quem controla os controladores. A gente precisa que os poderes constituintes e a sociedade civil funcione de forma muito coesa para que não exista arroubos autoritários. Quando o Poder Judiciário se sobressai demais, é sinal de que os demais poderes estão enfraquecidos, e isso denota a necessidade de que essa discussão seja feita também por meio do Poder Legislativo e da sociedade civil. É um embate político também”, opina.

Gisely Sousa, advogada empresarial especialista em Direito Digital (Crédito: Arquivo Pessoal)

Bloqueio das contas da Starlink é legal?

No âmbito da mesma decisão judicial que bloqueou o X, o ministro Alexandre de Moraes também determinou o bloqueio das contas da Starlink, provedora de internet via satélite de Elon Musk, para garantir o pagamento de multas impostas à rede social.

Gisely salienta que, salvo algumas exceções, uma empresa não poderia ser afetada juridicamente pelos processos judiciais de outra. “A única relação entre o X e a Starlink é um investidor em comum, e isso cria um ambiente de instabilidade econômica para o investidor, que vai olhar para o nosso ordenamento jurídico e não consegue avaliar se quer correr os riscos do investimento aqui”, ressalta a advogada.

Ao avaliar se as decisões de Alexandre de Morares ferem o direito à liberdade de expressão e de imprensa, Gisely Sousa salienta que a situação é bastante sensível porque trata de poder, responsabilidade e supervisão. Para atenuar dúvidas e possíveis contradições, ela sugere que se definam regras e limites claros através do Poder Legislativo.

“É muito difícil olhar para uma pessoa e dizer que essa pessoa pode dizer o que é certo ou o que é errado; o que é fato e o que é narrativa. Muitas vezes nós temos a tendência de concordar com aquela perspectiva que melhor se adequa aos nossos próprios interesses pessoais. Isso, mesmo quando a gente não quer fazer de maneira consciente”, afirma.

“Os algoritmos conseguem captar massivamente o que é que eu acredito que é certo ou errado e direcionar notícias, construir factoides para um público específico. E é isso que pode, dentro do ambiente das redes sociais, acabar tendo uma forte influência em eleições, em decisões em que a gente precisa de um número muito grande de votos, assim como também no direcionamento da opinião popular sobre determinados fatos ou assuntos”, conclui.

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